quinta-feira, 20 de setembro de 2012


Introdução



O recente sucesso do romance que carrega seu nome reacende a polêmica sobre o Gênio e o Homem da Renascença. Durante o período de sua vida, Leonardo já tinha este poder de levantar polêmicas, e não à toa, já que tinha capacidades raríssimas. Esta figura excepcional exerce atração por sua genialidade e pioneirismo, e na mesma intensidade, pelo mistério que cerca sua vida, já que pouco se sabe de concreto a respeito do que pensava e o que sentia, a não ser por pequenas notas encontradas em uma espécie de diário codificado. A figura de Leonardo está presente em diversos mitos, como associações com seitas secretas, ou interpretações místicas a respeito de suas obras. Como se para um homem realizar grandes feitos, obrigatoriamente ele devesse ser portador de alguma vantagem que para nós é oculta, fato esse que colabora por gerar especulações falsas.


Sob o olhar de Freud e da Psicanálise, analisamos Leonardo “o homem” e sua vida, e com grande choque nos deparamos com uma história muito diferente da que nos é passada.

A obra Leda, de Da Vinci, foi escolhida entre diversas outras, por oferecer consistentes interpretações da vida de Leonardo, de acordo com a teoria psicanalítica e a análise de Freud sobre o autor. Uma curiosidade sobre este quadro é que é um dos únicos “nús” de toda obra de conhecida de Da Vinci, senão o único. Assim como o mistério acerca de Leonardo, esta obra também está envolta em névoa, e uma história particularmente
controversa faz com que os estudiosos removam esta pintura do conjunto de obras do Mestre. A história conta que Leda é uma obra inacabada de Leonardo, que se perdeu, hoje apenas existindo reproduções da pintura feitas por discípulos de Da Vinci. Por isso encontra-se mais de uma Leda. Existem aqueles que dizem ser a obra Leda original a pintura onde há dois infantes; outros afirmam ser ela a pintura onde há quatro infantes, nascidos de dois ovos. A primeira pintura teria sido encontrada na casa de Leonardo, por um de seus pupilos, Giacomo Salai, para quem Da Vinci teria deixado o conjunto de todas suas pinturas, falecendo 9 dias depois, em 1519. Salai então a finalizaria como “obra póstuma”.
É importante adicionar um breve trecho da história da relação de Leonardo com Giacomo Salai: adotado aos 10 anos por Leonardo, por volta de 1500, atribui-se a ele o papel de aprendiz, ou filho, ou servo (alguns arriscam dizer que foi também um amante), ou até mesmo um importante modelo para algumas de suas obras como, por exemplo, o Retrato de um homem velho e um jovem, João Batista e até mesmo Um Apostolo. Salai é um apelido para “pequeno demônio” e constam suas peripécias no diário codificado de Da Vinci.

A tecnologia recente permitiu descobrir parte do mistério a respeito do quadro em questão. Análises de raio-X mostram que por baixo da Leda com dois meninos existe a configuração original do mito, os quatro filhos de Leda. Então, por conseqüência, sabemos que alguém pintou propositadamente por sobre o esboço de Leonardo uma imagem incorreta do mito.


Descrição da Obra

Uma mulher nua está em pé, com a cabeça abaixada, olhando para duas (ou quatro) figuras infantis. Parece sorrir, e abraça um cisne. O cisne, ao lado dela, olha para a mulher, com as asas abertas. Uma das asas parece abraçar a mulher. Os infantes brincam ao lado de Leda. Eles retribuem seus olhares a ela, dando a entender que são sua prole. 
 
 

Esta obra de Leonardo diz respeito a um mito da Grécia Antiga, no qual o deus Zeus se apaixona por Leda, enquanto esta se banha em um rio. Zeus assume a forma de um cisne, seduz a jovem, e ela o coloca no colo e o acaricia. Na mesma noite, ela deita-se com seu marido, Tíndaro, rei de Esparta. No mito grego, Leda dá à luz a dois ovos. Em um deles estão Helena de Tróia e Castor (como sendo filhos de Tíndaro, a parte mortal); do outro ovo nascem Pólux e Clitemnestra, filhos de Zeus, imortais.



Análise

Segundo a teoria psicanalítica e a análise de Freud, os artistas escolhem para suas obras imagens que são representações de seus impulsos mais secretos e inconscientes. Podemos identificar essa presença de impulsos inconscientes na obra de Leonardo principalmente quando ele imagens femininas que supostamente lhe foram importantes durante a vida. Segundo conta a história, Leonardo tem um encontro final com sua mãe antes da morte da mesma, fato quer determinou o conteúdo de suas obras posteriores, a começar pela famosa Monalisa, que seria um reavivar de toda história de sua infância ao lado de sua mãe. Suas obras posteriores retratam o que Freud chama de “perseverança”, atitude que revela a importância afetiva de um dado acontecimento. Na obra Leda, uma de suas últimas, devemos também olhar sob este aspecto, levando em conta que Leonardo calculava meticulosamente a posição das figuras de suas pinturas: pode-se deduzir que ela seja uma representação importante de uma mulher central em sua vida, pois ocupa o centro do foco do quadro. A partir dessa hipótese somos levados naturalmente a concluir que esta obra é de grande valia psicanalítica.
Tendo em mãos a informação de que Leonardo era filho ilegítimo de um “nobre” tabelião com uma camponesa, ganha mais força uma tentativa de análise sobre esta imagem. Vamos levar nossa atenção à figura feminina, Leda. Ela transmite através de seu sorriso claramente uma atitude maternal. Seu sorriso passa o sentimento de uma mãe que, com felicidade e amor, olha seus filhos enquanto brincam. Seria uma evolução do próprio sorriso de Monalisa, agora com ares mais definidos, como se o próprio sentimento que Leonardo carregava por sua saudosa mãe tivesse sido refinado com o tempo. Leda está nua: o único nú de toda sua obra (inconscientemente) retrata sua mãe, um reflexo inegável de seus sentimentos eróticos primitivos por esta mãe que, graciosa e fortemente desejada, mas inalcançável, determinou seu destino para sempre. E porque não? Agora já no fim de sua vida, escapa-lhe o controle de suas repressões, encontrando sua expressão nesta pintura.

Leda está de braços envoltos no pescoço do cisne que é Zeus disfarçado. O cisne por sua vez, a acolhe com sua grande asa. Podemos encontrar um paralelo na imagem com a descrição do pai de Leonardo, tido como um homem de grande energia, próspero, com 4 casamentos e pai de 11 filhos e duas filhas. Muito podemos revelar ao assumirmos três fatos relevantes. Primeiro, que o tabelião esteve ausente durante a primeira infância de Leonardo, levando este a desenvolver uma relação especial com sua mãe. Desta forma, o cisne/deus, que é seu pai, não tem as obrigações de um pai comum: ele é ausente simplesmente por ser um deus. Qual seria o nível de identificação de Leonardo com este fato? Na época do mito grego, da união de uma mulher mortal com um Deus, se origina uma criança dotada de “poderes especiais”: era comum a crença nesta época de que homens excepcionais vinham ao mundo desta forma. Da Vinci, na sua época já reconhecido como gênio, tinha clara percepção deste fato.

Para confirmar esta identificação inconsciente com o mito, analisemos outros aspectos. Um segundo ponto é que seu pai, além de cortejar a pobre camponesa, anos mais tarde toma-lhe o filho, e o leva para morar em sua casa para satisfazer o desejo de ter um herdeiro, já que sua esposa (madrasta de Leonardo) era infértil. Ou seja, um homem que tem muito poder, forte o bastante para romper a relação de seu filho com sua mãe, segundo seus desejos. O terceiro ponto é justamente a imagem que se forma a respeito deste pai e os desejos de superação do mesmo. Neste caso, pode se assumir que tal seria um feito impossível, pois o cisne, seu pai, é um deus todo poderoso, Zeus, rei do Olimpo. Na figura observamos o enorme pescoço do cisne, um claro símbolo fálico, ao qual Leda, sua mãe inalcançável, se abraça, enquanto aos infantes oferece apenas o olhar maternal.

Ainda sobre este pai/deus, acrescenta-se o fato da fantasia da infância de Leonardo. Sem importância se, de fato, a ave na fantasia era um abutre ou não, no quadro esta história é altamente relevante, pois a ave, que abraça a mulher como se fosse sua esposa, pode ser relacionada à frase de Da Vinci, onde ele se diz “destinado a estudar o vôo das aves”. Da Vinci era obstinado por um dia poder imitar este vôo o que, na análise de Freud, na verdade representa a ânsia de ser capaz de realizar o ato sexual. Nas frases de Leonardo, “o grande pássaro alçará o seu primeiro vôo partindo do dorso do Grande Cisne, fará o mundo ficar maravilhado, será por todos descrito e será a glória eterna do ninho onde nasceu”. Nestes termos, fica clara a associação da imagem do cisne no quadro com a seu sonho de decolar das asas do “grande cisne”, seu pai. Que mundo é este a ficar maravilhado, se não ele próprio, conquistando a capacidade de realizar o ato sexual? Ainda para corroborar estas afirmações está o fato de que ao redor do mundo e inclusive na Itália de Leonardo, o órgão sexual masculino ser popularmente chamado de “pássaro”.
No mito original, dois ovos são gerados a partir de Leda. Um ovo contém a cria de Tíndaro, o rei mortal (Helena de tróia e Castor), e no outro ovo estão a prole de Zeus (Pólux e Clitemnestra). No quadro onde vieram dois infantes, atribuído a Giacomo Salai, existem dois garotos a brincar e um ovo não aberto, escondido no fundo. Nossos olhos vêem apenas parte do mito representada, enquanto nas outras reproduções estão presentes os quatro filhos de Leda.
No quadro de Da Vinci os rebentos nascidos são do mesmo sexo. Parece difícil acreditar que Leonardo, um homem da Renascença, não soubesse a história original, onde nasce um casal de cada ovo. Como diria Freud, para o psicanalista qualquer mínimo detalhe é importante e pode ajudar a decifrar um processo oculto. Desta forma, podemos olhar para o quadro, e imaginar se este não é um ato falho de Da Vinci, na tentativa de reproduzir o mito. Os garotos que nasceram do mesmo ovo, se analisados sob esta luz, nos levam a refletir que, para Leonardo, um garoto também pode ser feminino, como parece indicar a história de vida do grande artista. Os garotos que brincam, de acordo com a análise de Freud, podem ser a imagem representativa que Leonardo guarda da beleza infantil de sua própria infância.





Conclusão



Estudar os fatos por trás da historia de vida de um homem é um trabalho nobre. Mistificamos aquela figura que nos atrai, muitas vezes por expectativas pessoais, e por fim criamos um mito que não corresponde com a verdade. Em nossa sociedade, ocorre o extremo valor a tudo que é “BOM” e “ótimo”, colocando para debaixo do tapete tudo que nos parece estranho. Para olhar para este homem e poder interpretar dados que chegam a ser “desconfortáveis” à nossa própria psique, é necessário coragem. O grande homem que foi Leonardo jamais pode ser destruído, e um estudo como este apenas aumenta a beleza da vida do Gênio, que humano como nós, também sofreu, padeceu, testou, brincou e pesquisou, construindo a si mesmo.
Desta forma, travamos uma luta contra nossa hipocrisia, um golpe em nosso narcisismo, valorizando também o que há debaixo do tapete. Somos forçados a admitir que, onde hoje vemos “impureza lamacenta”, também brotam flores com perfumes inebriantes.





Bibliografia



Freud, Sigmund. “Leonardo da Vinci e uma lembrança de sua infancia (1910)” in: Obras psicológicas completas : edição standard brasileira, Rio de Janeiro: Imago Editora, 1996.
 
 
                                                                                                       Igor Enkim
                                                                                                       17/05/2007
 
 
 
 
 
 
O Narcisismo, em psicanálise, representa um modo particular de relação com a sexualidade. É um conceito crucial no seu desenvolvimento teórico. O narcisismo é um protetor do psiquismo e um integrador da imagem corporal, ele investe o corpo e lhe dá dimensões, proporções e a possibilidade de uma identidade, de um Eu. O narcisismo ultrapassa o auto-erotismo e fornece a integração de uma figura positiva e diferenciada do outro.


Em 1899 Paul Näcke introduziu pela primeira vez o termo “narcisismo” no campo da psiquiatria. Para Närcke seria um estado de amor por si mesmo que constituiria uma nova categoria de perversão.

Provavelmente a primeira menção pública de Freud do termo “narcisismo” se encontra na nota de rodapé acrescida à segunda edição de Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade (o prefácio traz a data de dezembro de 1909). Ernest Jones relata que em uma reunião da Sociedade Psicanalítica de Viena, a 10 de novembro de 1909, Freud havia declarado que o narcisismo era uma fase intermediaria necessária entre o auto-erotismo e o amor objetal.

Em maio de 1910 no livro “Leonardo” Freud fez uma referencia consideravelmente mais extensa ao narcisismo. Depois se seguiram à análise do Caso Schreber (1911) e Totem e Tabu (1912-1913).

Em 1914 Freud lança seu artigo “Sobre a Introdução do Conceito de Narcisismo”. Esse artigo é um de seus trabalhos mais importantes, podendo ser considerado como um dos fatores centrais na evolução de seus conceitos. Nesse texto é traçada uma nova distinção entre “libido do ego” e “libido objetal”; e é introduzido os conceitos de ‘ideal do ego’ e do agente auto-observador (que constitui a base do que veio a ser descrito como superego em o Eu e o Isso em 1923).

Elia (1992) diz que do ponto de vista da impelência clínica da produção teórica freudiana, foram as psicoses que produziram a teoria do sujeito implicada na teoria do narcisismo.

Freud (1914) diz que a necessidade de discutir sobre um narcisismo primário normal surgiu quando se fez a tentativa de incluir o que era conhecido como demência precoce (Kraepelin) ou da esquizofrenia (Bleuler) na hipótese da teoria da libido – denominados por Freud de parafrênicos.

Freud acreditava que na esquizofrenia a libido afastada do mundo externo é dirigida para o ego e assim dá margem a atitude que pode ser denominada de narcisismo, mas esse seria um narcisismo secundário, superposto a um narcisismo primário. Freud propõe que há uma catexia libidinal original do ego, parte da qual é posteriormente transmitida aos objetos, mas que fundamentalmente persiste e está relacionada com as catexias objetais.

Jung, junto a Eugen Bleuler em Zurique vinha se dedicando às psicoses; e suas pesquisas o levaram a produzir uma teorização enfraquecedora da teoria freudiana da sexualidade. Jung propunha retirar o caráter sexual da libido, que passaria a significar a energia psíquica geral.

Houser (2006) diz que a saga de Narciso (um herói devorado de amor por um objeto que não é outro senão ele próprio) leva a pensar no narcisismo como uma relação imatura, auto-centrada, erotizada, mais que sexualizada, detida em uma contemplação especular do idêntico ao “Si-mesmo” do sujeito. Mais o narcisismo também promove a constituição de uma imagem de si unificada, perfeita, cumprida e inteira, que ultrapassa o auto-erotismo primitivo para favorecer a integração de uma figuração positiva e diferenciada do outro, e, sobretudo, do outro em seu estatuto sexuado. 
 

Luciano Elia (1995) define o narcisismo como o processo pelo qual o sujeito assume a imagem do seu corpo próprio como sua, e se identifica com ela (eu sou essa imagem). Implica o reconhecimento do eu a partir da imagem do corpo próprio investida pelo outro.



O narcisismo primário



Freud em 1914 fala que o “eu” não é inato e que resulta de uma nova ação psíquica que se faz como um acréscimo ao auto-erotismo. Essa nova ação psíquica é o narcisismo.

Narcisismo não é igual a auto-erotismo, pois uma unidade comparável ao ego não existe desde o início, ele tem que ser desenvolvido; os instintos auto-eróticos se encontram desde o início.

Freud postula que um ser humano tem originalmente dois objetos sexuais – ele próprio e a mulher que cuida dele – o que leva a considerações de um narcisismo primário em todos, o qual, em alguns casos, pode manifestar-se de forma dominante em sua escolha objetal.

Freud (1914) diz que o grande encanto de uma criança reside em grande medida em seu narcisismo, seu auto-contentamento e inacessibilidade.

Para Freud o desenvolvimento do ego consiste em um afastamento do narcisismo primário e dá margem a uma vigorosa tentativa de recuperação desse estado. Esse afastamento é ocasionado pelo deslocamento da libido em direção a um ideal do ego imposta de fora, sendo a satisfação provocada pela realização desse ideal.

Le Poulichet (1997) diz que o que vem a perturbar o narcisismo primário é o Complexo de Castração. É através dele que se opera o reconhecimento de uma incompletude que desperta o desejo de recuperar a perfeição narcisista. O narcisismo secundário se define como o investimento libidinal da imagem do eu, sendo essa imagem constituída pelas identificações do eu com as imagens dos objetos.


A grande novidade é a formulação que admite a existência simultânea de uma libido do eu e uma libido do objeto. Esta formulação acarretou problemas para a teoria até então vigente; uma vez que o eu também passou a ser objeto de investimento libidinal, isto é, ele deixou de ser uma instância libidinalmente neutra no conflito psíquico. Os pólos de tensão do conflito, que haviam sido bem distintos - pulsões do eu, forças recalcantes, princípio de realidade e processos secundários versus pulsões sexuais, representações recalcadas, princípiodo prazer e processos primários – deixam de funcionar em oposição. Com a introdução do conceito de narcisismo, estas referências se confundiram e a dinâmica do conflito se complicou, uma vez que Freud postulou a relação erótica com o eu, afastandose de uma concepção biológico-adaptativa representada pelas pulsões de autoconservação.
Ou seja, a partir deste trabalho, pode-se considerar que o indivíduo não morre porque ele se ama, e não porque possui um instinto de autoconservação. Freud desenvolve o conceito de narcisismo tomando como referência as observações sobre a esquizofrenia, a vida mental das crianças e dos povos primitivos. Segundo ele, a atitude narcisista nos neuróticos implica numa resistência transferencial intensa.
Enquanto na esquizofrenia há retirada da libido do mundo externo para o eu, na neurose a libido que foi retirada dos objetos vai investir os objetos da fantasia. Embora o retraimento narcísico possa ocorrer em qualquer momento da vida, há um narcisismo primário localizado no seu início.
Este estrutura-se mediante as relações que estabelece com aqueles que circulam em volta do bebê; normalmente as figuras parentais que contribuem para a instauração da onipotência primária. O narcisismo primário é uma herança do ideal narcísico dos pais. A criança viria ocupar o lugar daquilo que ficou perdido na vida dos pais. Cabe a ela recuperar para eles todos os privilégios que estes foram obrigados a renunciar, e a realizar os sonhos e projetos nos quais eles fracassaram. Este lugar, no qual os pais costumam colocar o filho, Freud chamou de “Sua Majestade, o Bebê”.
Como conseqüência desta relação, os primeiros objetos sexuais eleitos pela criança são derivados de suas primeiras experiências de satisfação, em geral, vividas com as pessoas que cuidam dela, sua mãe ou substituta. Este tipo de fonte e escolha objetal Freud denominou de anaclítica ou, melhor dizendo, “de apoio”. Entretanto, ele também observou casos em que houve alguma perturbação no  desenvolvimento libidinal e, como resultado, ao invés de o sujeito escolher os objetos amorosos de sua vida tomando como modelo sua mãe, ele toma a si
mesmo como um objeto amoroso: trata-se da escolha objetal narcisista.
Essa distinção, tomada de forma pouco cuidadosa, pode resultar na concepção de que um tipo de escolha exclui a outra. Contudo, Freud afirma que uma escolha objetal narcisista está sempre presente. A seguinte passagem vem confirmar tal idéia: “Dizemos que os seres humanos têm originalmente dois objetos sexuais – ele próprio e a mulher que o criou, e pressupomos então em todo ser humano o narcisismo primário que, eventualmente, pode expressar-se de forma dominante em sua escolha objetal” (Freud [1914] 2006: 85).
Já o narcisismo secundário, para Freud, estaria referido ao refluxo da libido dos objetos para o próprio eu, por ele observado nos casos de esquizofrenia. A partir da pergunta “qual é o destino da libido retirada dos objetos na esquizofrenia?”, ele responde:

O delírio de grandeza, próprio a esses estados, nos indica o caminho. Sem dúvida, nasceu às expensas da libido de objeto. A libido retirada do mundo externo foi conduzida para o eu e assim surgiu uma atitude que podemos chamar narcisismo. Mas o delírio de grandeza não é uma criação nova, como sabemos, é a ampliação e o desdobramento de um estado que já existia antes. Isso nos leva a conceber onarcisismo que nasce da retirada dos investimentos objetais como um narcisismosecundário que se edifica sobre a base do outro, primário (Freud [1914] 2006: 72-3).

 
 


Desde que o conceito de narcisismo primário foi postulado, no artigo
“Introdução ao narcisismo” (1914), ele não parou de causar polêmica. Primeiro
porque o próprio texto não é claro a respeito, segundo porque, no decorrer da obra
freudiana, podem-se encontrar posições distintas sobre o tema, como as
postulações posteriores a 1920 em que Freud toma o narcisismo primário como o
momento em que a satisfação pulsional é auto-erótica, estabelecendo estreita
relação entre narcisismo e auto-erotismo.
De acordo com Laplanche e Pontalis, “o narcisismo primário designa um
estado precoce em que a criança investe toda a sua libido em si mesma. O
narcisismo secundário designa um retorno ao eu da libido retirada dos seus
investimentos objetais” (Laplanche e Pontalis, 1992: 290). Apesar de eles
apresentarem uma definição para as duas noções, elas não são satisfatórias.
Inclusive, eles próprios admitem que esses termos têm diferentes acepções,
impossibilitando a obtenção de uma concepção unívoca. De um autor para o
outro, a noção de narcisismo primário pode variar muito. Trata-se de definir um
estado hipotético da libido infantil e, nesse ponto, há divergências fundamentais.
Além disso, eles chamam atenção para o fato de a expressão narcisismo secundário ser menos problemática que a de narcisismo primário.
Convocarei outro estudioso da metapsicologia freudiana, Luiz Alfredo
Garcia-Roza, a fim de ajudar nesse
imbróglio. Segundo ele, apesar da confusão, alguns pontos podem ser tomados como indiscutíveis. Em 1914, Freud dá a

entender claramente a existência de dois narcisismos, um narcisismo primário e
um narcisismo secundário. Além disso, é possível perceber a existência de três
modos distintos do funcionamento libidinal: auto-erotismo, narcisismo e escolha
de objeto.
Em Freud, o narcisismo primário designa, de um modo geral, o primeiro narcisismo, ou seja, o narcisismo da criança que toma a si mesmo como objeto de
amor, antes de escolher objetos exteriores. Apesar disso, não é fácil concretizar o
momento da constituição desse estado. Nos textos entre 1910-1915, esta fase é
localizada entre o auto-erotismo e o amor de objeto, possivelmente
contemporânea ao aparecimento de uma primeira unificação do eu. Mais tarde,
com a elaboração da segunda tópica, os termos mudam de figura.
Seguindo o texto de 1914, pode-se afirmar que Freud postula o eu como
sendo o grande reservatório da libido, a partir de onde esta se distribuiria pelos
objetos externos, com a condição de voltar ao lugar de origem caso eles não lhe
proporcionassem satisfação. Contudo, quase dez anos depois, no texto “O eu e o
isso” (1923), o mestre parece mudar de idéia, brindando-nos, assim, com mais
algumas dúvidas. Ele propõe que o isso deteria toda a libido, em razão da
excessiva fragilidade do eu no início da organização psíquica. O isso emitiria,
assim, investimentos pulsionais sobre os objetos externos ao passo que o eu,
adquirindo cada vez mais força e amplitude, logo tomaria o lugar dos objetos,
retomando, destes, parte da libido que retinham. Essa última hipótese faria do
narcisismo do eu um narcisismo secundário, tirado dos objetos:
No início, toda a libido está acumulada no isso, enquanto o eu encontra-se ainda
em processo de formação ou é fraco. O isso envia uma parte dessa libido para
investimentos objetais eróticos; em conseqüência, o eu fortalecido tenta apoderarse
dessa libido do objeto e impor-se ao isso como objeto amoroso. Portanto, o
narcisismo do eu é um narcisismo secundário, subtraído dos objetos (Freud
[1923] 2006: 47).
Com essa mudança Freud parece designar pelo termo narcisismo primário
um primeiro estado da vida anterior à constituição do eu, suprimindo, assim, a
distinção entre narcisismo e auto-erotismo. De acordo com Laplanche e Pontalis,
esta última acepção do narcisismo primário prevalece atualmente no pensamento
psicanalítico. Essa passagem deu ensejo a interpretações diversas da noção de
narcisismo. Muitos autores discordam dela, apresentando duas razões para tal. A
primeira é que, nesta acepção, perde-se de vista a referência à constituição de uma
imagem unificada do próprio corpo que, como Freud havia esclarecido em 1914,
não existe desde o início. O narcisismo primário diria respeito a um estado
‘anobjetal’. A segunda crítica, daí derivada, apóia-se na teoria de alguns autores,
como M. Balint, que defendem a existência de relações de objeto desde o início da
vida do bebê (Laplanche e Pontalis, 1992: 291).

Fontes
http://www.maxwell.lambda.ele.puc-rio.br/11780/11780_3.PDF

http://artigos.psicologado.com/abordagens/psicanalise/o-conceito-de-narcisismo-na-construcao-teorica-da-psicanalise#ixzz270qenpxv
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